O primeiro dos meus 500 GPs de Fórmula 1. Uma aventura rica, carregada de fortes emoções!
A minha primeira noite como jornalista, cobrindo o que sempre sonhara, um GP de F1, foi em 1987, no Rio de Janeiro. Dormi no chão, sobre dois cobertores dobrados e ainda como clandestino num quarto de hotel, amparado por amigos do Estadão! Sob risco de ser colocado para fora. E justamente!
MINHAS HISTÓRIAS
Olá amigos
Esse espaço é dedicado a contar algumas de minhas muitas histórias vivenciadas principalmente no período em que cobri a Fórmula 1 como jornalista, de 1987 a 2020 – foram nada menos de 34 temporadas -, com presença em praticamente todas as corridas, de 1991 a 2020, e cerca de metade delas de 1987 a 1990.
Tenho no currículo 500 GPs. Falaremos sobre isso nas nossas muitas conversas por aqui. As principais mídias que trabalhei nesse período de mais de três décadas foram o jornal O Estado de São Paulo, de 1993 a 2013, ou 20 felizes anos, e GloboEsporte.com, de 2014 a 2020, outros seis. Além de redigir como free lance para veículos de comunicação de países como Japão, Holanda, Inglaterra, Itália, dentre outros, e ser repórter/comentarista das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo.
Mantenho bastante viva em minha mente a primeira vez que vi um carro de F1 andando na pista. Foi no dia 28 de março de 1972, em Interlagos, era um adolescente ainda. Recordo de ter permanecido em pé, com as mãos na cerca de metal que separa a arquibancada da Reta dos Boxes do asfalto do circuito.
Primeiro treino livre da corrida extracampeonato organizada para todos no Brasil entenderem os muitos desafios de viabilizar uma prova de F1 para, no ano seguinte, 1973, o país sediar uma etapa do Mundial de Pilotos e Construtores de F1, como aconteceria.
Descobrindo a verdadeira velocidade
A experiência daquele fim de semana de fim de março em Interlagos, em 1972, merecerá um longo texto a ser apresentado nessa aba do blog, tantas foram as ocorrências vivenciadas. Aconteceu de tudo.
Isso para não citar as fortes emoções de entender, pela primeira vez, o que eram verdadeiramente carros de corrida. A minha referência de velocidade até então se limitava ao que assistia em Interlagos nas competições nacionais, outra realidade, outro mundo.
Imagine um menino apaixonado por corridas de automóvel – trazida para o Brasil pela família da Itália - e de repente ver um carro de F1 passar na sua frente, a poucos metros, já a quase 300 km/h.
Voltei para sentar no meu lugar na arquibancada sem falar, em êxtase, perguntando a mim mesmo como um ser humano, dentro daquela máquina, conseguia controlá-la diante da velocidade estonteante do seu deslocamento.
Hoje o tema é o meu primeiro GP como jornalista, não como espectador. Também plena de acontecimentos de toda natureza, tudo bastante enriquecedor para mim. Acompanhe, acredito que você não irá se decepcionar se prosseguir até o fim do longo texto.
Como tudo começou
Minha primeira experiência profissional foi no GP do Brasil de 1987, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Só um parêntese: havia já estado apenas como fã da F1 em todos as provas disputadas em Interlagos, exceto a de 1975, vencida por José Carlos Pace, em várias no Rio de Janeiro, bem como em muitas no exterior, a exemplo de Long Beach, Watkins Glen, Silverstone, estas a serem abordadas em outro capítulo.
Uma canja: na corrida de Watkins Glen, em 1980, última de Emerson Fittipaldi na F1, caminhei pelo paddock com uma credencial que consegui de maneira singular, simplesmente pedindo à senhora que as controlava: "Vim do Brasil somente para assistir à corrida, a senhora pode me ceder uma credencial, aproveitaria muito mais a viagem?" Acredite, foi dessa forma que a obtive.
Se alguém entrar no centro de credenciamento dos eventos de F1, hoje, e inocentemente solicitar uma credencial, como fiz em 1980, corre o risco de ser posto para fora pelos seguranças do local. Eram de papel e tinham o nome do credenciado escrito à caneta.
Atualmente são de plástico especial, portam um chip, para o controle nas catracas de acesso, como um cartão de crédito, e ainda expõem a foto do portador, para ser confrontada com a que aparece no painel da catraca ao entrar ou sair das áreas de controle. E a liberação da credencial é resultado de extensos e rigorosos critérios de análise prévia da mídia que a solicita para a FIA.
Repórter inexperiente
Minha experiência profissional como jornalista se resumia, até então, dia 9 de abril de 1987, a alguns textos sobre F1 e o mercado de automóveis em São Paulo, produzidos para o irmão do Reginaldo Leme, o Dinho Leme, editor de um suplemento de automóveis do semanal Shopping News, jornal de distribuição gratuita, com nada menos de 500 mil exemplares, destinados aos bairros mais bem estruturados de São Paulo.
A minha credencial foi solicitada pelo suplemento Auto Motor News, a que me referi. Fui de ônibus para o Rio de Janeiro, cada ideia de louco! Na minha cabeça, despreparada, teria dificuldades para me locomover e estacionar se fosse de carro. Iria me instalar no apartamento de um primo, na região serrana. Eu cheguei na quinta-feira de manhã, depois de viajar durante a noite. Algo que hoje me faz rir. Fui direto, todo feliz, ao centro de credenciamento retirar a credencial.
Rigor excessivo
E aí começaram os problemas, diferentemente de Watkins Glen. O responsável pela entrega me pediu a carteira funcional do Auto Motor News. Disse que não tinha, pois eu era free lance. Ele ficou irritado e falou que free lances não tinham direito à credencial. Não adiantou eu argumentar que não sabia, havia viajado de São Paulo para lá, enfim, era o meu primeiro GP e estava animadíssimo com a oportunidade.
O cidadão, não vale citar o nome, não quis nem saber. Não teve conversa. Hoje vejo que foi rigoroso. O controle não era tão intenso, como constatei mais tarde no paddock. Mas, ao mesmo tempo em que redigia um texto por semana para o Auto Motor News, eu trabalhava como revisor do Estadão, das 23 às 4 horas da manhã, meu primeiro emprego como jornalista.
Pedi ao grande Adalbe Negrão, repórter do esporte do Estadão naquele tempo - chegou a ser editor - se eu poderia chegar à redação no fim da tarde, todo dia, a fim de acompanhar o trabalho deles e ir aprendendo o que era o jornalismo. A Faculdade Cásper Líbero me ensinou apenas o básico. Pouco.
O editor de esportes, outro grande profissional, Fran Augusti, concordou em ter um estagiário lá. Todo dia eu, discretamente, me aproximava dos repórteres e subeditores e fazia perguntas. Comecei a aprender, de verdade, o que era jornalismo. A editoria de esportes do Estadão passou a me conhecer, identificar meu interesse pelo automobilismo e até certo conhecimento desse esporte, fruto da paixão.
Ajuda providencial
Adalbe Negrão viajou para o Rio para cobrir pelo Estadão o GP de 1987 e combinamos de nos encontrar lá. Eu poderia ser, de alguma forma, útil a eles também, com minha vivência como fã da F1 e leitor de publicações estrangeiras.
Quando me vi sem credencial, liguei para o Negrão. Ele pediu para que alguém da editoria entrar em contato com os responsáveis pelo credenciamento e dizer que eu era também funcionário do Estadão, ainda que apenas da revisão e não estava lá a serviço da empresa. Ajudou, pois recebi a credencial. Ainda era de papel.
Fui correndo para o autódromo, lá perto, entusiasmado. Tudo era novidade para mim. Eu não tinha obrigação diária, pois o Auto Motor News era uma publicação semanal. Apenas teria de trabalhar algumas pautas, recolher informações e depois, ao longo da semana, de volta a São Paulo, redigir os textos.
Recordando, era quinta-feira. Naquela prova, em particular, havia uma grande novidade técnica: a suspensão ativa. E na equipe de um ídolo dos brasileiros, a Lotus, de Ayrton Senna, patrocinada pela Camel, toda amarela. Todo mundo queria saber o que fosse possível a fim de explicar para os leitores o que era a tal da suspensão ativa. O projetista da Lotus 99T-Honda de Senna era o engenheiro francês Gerard Ducarouge.
Entrei na sala de imprensa de Jacarepaguá em êxtase, vi dezenas de máquinas de escrever, máquinas de telex, jornalistas que apenas conhecia de ler seus trabalhos, como Giorgio Piola e Pino Allievi, italianos, enfim, tudo era festa para mim. Hoje, esses dois personagens estão dentre os meus melhores amigos na F1, não colegas, apenas.
Me dá uma entrevista?
Inocentemente, esperei Ducarouge sair dos boxes da Lotus e disse que gostaria de falar com ele. O homem me olhou de cima abaixo. Respondeu: “Você e mais mil pessoas”. E entrou de novo nos boxes. Conversava com um grupo de técnicos. A suspensão ativa era experimental, ainda, os engenheiros não dominavam todos os seus segredos e aquela era a estreia dessa tecnologia revolucionária.
De tempos em tempos, naquele dia, eu estacionava em frente aos boxes da Lotus para procurar entender o que eles faziam no carro. Era possível naquele tempo. Hoje é tudo bem mais escondido. Ducarouge saiu dos boxes e, de novo, perguntei se tinha alguns minutos, com muita educação. “Estou muito ocupado, não falei com ninguém, hoje. Não será possível, tenho trabalho demais”, disse-me, mais gentilmente, Ducarouge.
Fui às entrevistas coletivas dos personagens da F1, como Nelson Piquet e Nigel Mansell, da Williams-Honda, Alain Prost, da McLaren-TAG Porsche, Senna e Satoru Nakajima, da Lotus-Honda. E nos intervalos delas dava uma escapada até os boxes da Lotus.
Em uma dessas ocasiões, Ducarouge se aproximou de mim, já por volta das 19 horas, e em vez de me dar uma bronca, como eu esperava, perguntou o que eu queria, por que vinha em frente aos boxes do seu time.
Falei que estava interessado em entender, em maior profundidade, o que era a suspensão ativa, ouvi-lo, pois era um dos seus responsáveis, com o objetivo de produzir uma reportagem. Como jornalista, eu tinha de ao menos tentar. Acho que o sensibilizei.
Sinais de progresso
Ele me perguntou se era brasileiro. Respondi que estava a trabalho de uma mídia brasileira. Falou não me conhecer. Disse-lhe: “Sem dúvida, esse é meu primeiro GP como jornalista”. O engenheiro francês riu, virou de costas e entrou nos boxes.
Na minha cabeça, eu provavelmente perdi minha chance naquele momento. Se os experientes, conhecidos de Ducarouge, se aproximaram e não tiveram mais de um minuto com ele, o que o levaria a falar com um desconhecido?
Na F1, estabelecer uma relação de confiança com seus profissionais é fundamental para nós da imprensa. Com o tempo, essas pessoas vão se abrindo mais e mais com você. E é possível até mesmo desenvolver amizade, a ponto de, em alguns casos pouco comuns, ganhar liberdade de poder ligar no seu celular. Mas isso é uma coisa. Outra é utilizar suas declarações nos textos. O “off” rege tudo.
Tudo é doentiamente controlado, hoje, na F1. Se um assessor de imprensa “detectar” um jornalista conversando com um integrante da equipe, logo se aproxima para saber do que se trata. Já tive discussões feias, por alguns serem despreparados, intrometidos e mal educados. A minha experiência com Ducarouge, em 1987, não seria jamais possível atualmente.
Lá pelas 20h30, parei de novo em frente os boxes da Lotus. Mas a certa distância, discreto, como sempre. Nesse instante, Ducarouge veio até onde eu estava e falou: “Estou saindo em instantes. Se você quiser, enquanto caminho até o estacionamento podemos ir falando”. Pensei comigo, não acredito!
Mas o melhor estava por vir. Eu lhe fiz algumas perguntas e ao perceber que eu tinha uma noção básica do que era a suspensão ativa, me deu mais atenção. Na F1 é assim. Se o entrevistado percebe que você tem algum preparo, estudou o tema antes de procurá-lo, o tratamento é outro, mais respeitoso com você. O entrevistado por vezes até pergunta para qual mídia trabalha.
Bendito pneu furado
Para melhorar muito as coisas, ao chegarmos no carro de Ducarouge constatamos que um pneu estava no chão. O traseiro esquerdo, sou capaz de recordar pequenas passagens daquele dia. Outros profissionais tiveram o mesmo problema. O piso de pequenas pedras estava cheio de pregos, usados para instalar um painel na área, pelo que vimos. Descuido que só ajudou a reforçar a ideia, procedente, de inconsequência de muitos brasileiros.
Disse a Ducarouge para não se preocupar. Ali estava um especialista em trocar pneus. Mentira! Eu mesmo troquei o pneu do seu carro enquanto conversávamos. E me surpreendi com minha desenvoltura. O homem ficou de pé do meu lado. E sabe o que fez? Olha só: “Você está hospedado na cidade também?”, me perguntou. Por três segundos não sabia o que responder. Era já cerca de 21 horas e eu não tinha ido a casa de meu primo. Falei para Ducarouge: “Sim, claro, num hotel”.
Ele retrucou: “Eu vou até a churrascaria Porcão, quer vir comigo? Podemos comer junto desde que você não deixe ninguém ver esse seu caderno de anotações. Não falei com nenhum jornalista, hoje. E não foi por falta de pedidos”. Obviamente concordei com Ducarouge. E lá fomos nós para o Porcão, no seu carro.
Enquanto comíamos, falamos, sem dúvida, de muita coisa, além de esmiuçar conceitualmente o que era a suspensão ativa. O engenheiro fez questão de destacar sua admiração pelo trabalho, pela dedicação de Senna. “Interessado, gosta de permanecer estudando conosco, dá sugestões, muito profissional.”
Mais: abordamos como seria a F1 dois anos mais tarde, com o fim dos motores turbo, as dificuldades da Renault em 1985, 1986, então motor da Lotus, com as restrições de consumo de combustível, 195 litros na corrida, dentre outros temas. Aprendi muito. E aprender está dentre os maiores prazeres da vida, para mim.
Havia gente da F1 no Porcão. Alguns se aproximaram de Ducarouge para breves conversas. Com certeza passou na mente de alguns algo do tipo: quem é esse cidadão que janta com ele, nunca o vi no paddock?
Sinuca de bico
Lembro aos amigos que nessa época não existia internet, celular, coisas do gênero. Terminado o jantar, Ducarouge foi para o seu hotel, o Cesar Palace de Ipanema. Disse que meu hotel, inexistente, era ali perto. E poderia, perfeitamente, caminhar. Ele insistiu em me levar até lá. Respondi: “Não se preocupe, faz bem andar à beira mar. Gosto muito.”
Temia que voltasse a se oferecer para me deixar na porta do hotel. A essa altura eu já estudava rotas de fuga alternativas, como simular um mal estar e pedir para descer a fim de receber ar fresco. Sabe como é, carne é um alimento de digestão mais difícil, seria um bom argumento. Por sorte ele concordou com meu pedido de descer do carro lá mesmo, em frente ao seu hotel. Ufa!
Liguei para o hotel do Negrão, o repórter do Estadão, do primeiro orelhão que encontrei. Orelhão, imaginem! Estava doido de vontade de compartilhar o papo tido com Ducarouge há pouco. Alegria juvenil!
Negrão pediu que fosse vê-lo, apesar da hora. Não estava tão longe assim. Fui andando até lá, boa marcha, contando as estrelas, sem sentir o solo que pisava.
Cheguei no hotel por volta as 23 horas. Combinamos que aquela conversa serviria de base para uma reportagem que faríamos a quatro mãos, as minhas, inexperientes, e das dele, sabedoras de como melhor aproveitar aquelas preciosas informações todas. Para o Estadão, interessava muito mais a relação de Ducarouge com Senna do que o aprofundamento na suspensão ativa, meu foco principal.
Onde você vai dormir?
Negrão me perguntou para onde eu iria, àquela hora. Estava tão entusiasmado que nem me lembrei que estava sem um lugar para dormir. Respondi que chamaria um táxi para me levar à residência do meu primo. Quando disse onde era, Negrão me disse que eu estava louco, pois implicava uma viagem. Ele sugeriu para dormir lá mesmo, no quarto dele e do outro repórter, Roberto Pereira de Souza, do Jornal da Tarde. Olhei em volta e não vi uma terceira cama.
Resultado: apanhei os cobertores no armário e produzi meu ninho no chão, sobre o carpete. Estávamos no mês de abril e quem usa cobertor no Rio em abril? A minha primeira noite como jornalista, cobrindo o que sempre sonhara, um GP de F1, foi passada no chão, sobre dois cobertores dobrados e ainda como clandestino num quarto de hotel, cedido por amigos! Sob risco de ser colocado para fora. E justamente!
Não acabou, ainda. Havia uma onda de assaltos na cidade – hoje são rotina – e aquilo ficou na minha cabeça, excitada com tudo o que me cercou naquele dia histórico para mim.
A certa altura da noite, acordei e as luzes dos faróis na parede do quarto fizeram minha mente, fora do seu funcionamento normal, fantasiar algo. Eu comecei a perguntar: “Quem tá aí? Quem tá aí?”
Os dois colegas, Negrão e Roberto, acordaram. E assustados, acreditando existir uma quarta pessoa no quarto. Desta vez, não convidada. Acenderam a luz e todos nós vimos não haver ninguém. Por sorte! Os dois olharam para mim com uma cara estranha. “Meu Deus, convidamos um louco para ficar no nosso quarto”, devem ter pensado.
Não preciso dizer que por um tempo eles me chamavam de “Quem tá aí?” Ficou meu apelido naquele fim de semana.
Redigimos na sexta-feira o texto resultante da conversa com o Ducarouge e, segundo o Negrão, agradou bastante. Era o que a maioria desejava ter. E quanto à suspensão ativa só nós dispúnhamos naquele nível de detalhes, contado por ninguém menos de um dos criadores do sistema.
Na realidade, vou confessar: os pormenores técnicos mesmo ficaram comigo, para o texto de free lance que redigi para o Auto Motor News do domingo seguinte. Mas com desenho esquemático que fiz e levei para o rapaz da arte do Auto Motor News.
A recompensa
A chefia de esportes do Estadão gostou tanto do material produzido pelo Negrão e por mim que providenciou um quarto no mesmo hotel e me deu a passagem de avião para regressar a São Paulo na segunda-feira, junto dos dois repórteres. Mas segui, depois, apenas como revisor. Não tinha ainda bagagem jornalística para ser repórter da grande mídia e se surgisse uma vaga haveria concorrência, como de praxe.
Como escrevi, viria a ser repórter do Estadão do fim de 1993 a dezembro de 2013, contratado para acompanhar a F1 pelo mundo, embora produzisse conteúdo para quase todas as demais editorias também. Eu mesmo propunha as pautas extras, a maioria de divulgação científica.
Naquele mesmo ano, 1987, fui às corridas de Portugal e Espanha por minha conta. Acabei por me tornar amigo de Ducarouge.
Bons anos mais tarde, saímos outra vez para comer. Foi em Mônaco, quando ele já havia deixado a competição. Eu residia em Nice, do lado de Mônaco.
O francês contou histórias da relação com Senna. Numa delas, ficou puto da vida. Eles faziam brincadeiras um com o outro. Senna foi ao quarto do engenheiro no hotel e colocou um filme plástico no vaso sanitário, de difícil detecção.
Ducarouge me disse ter sentado, calmamente, para uma necessidade mais demorada, e começou pelo xixi. De repente, sentiu suas pernas ficarem quentes. Levantou e percebeu que havia o filme plástico sobre o vaso. Precisou tomar banho e trocar de roupa.
Mas as maiores brincadeiras viriam no ano seguinte, 1988, quando Senna saiu da Lotus e foi para a McLaren e o seu substituto na Lotus era um especialista no tema, ninguém menos de Piquet, de saco cheio dos desgastes na Williams, onde seu companheiro era Nigel Mansell. O relacionamento de Piquet com Ducarouge, no entanto, não foi idílico, apenas respeitoso.
Péssimo ator
Nesse jantar com Ducarouge, em Mônaco, contei a verdade sobre o meu suposto hotel no Rio, em 1987. Eu não tinha reserva alguma. E lembrei, rindo, da minha insistência em seguir pelas próprias pernas até "o meu hotel". Sabe o que ele me falou: "Você é um mau ator. Precisa aprender a mentir. Desde o começo percebi que a história não era bem a que você me contou”.
Vi Ducarouge pela última vez em maio de 2013, no centro de credenciamento do GP da Espanha. Eu havia esquecido de retirar a minha credencial de carro nos dias do GP de Bahrein, etapa anterior, e tive de ir ao centro de credenciamento de Barcelona buscá-la.
Ao ver Ducarouge, nos abraçamos, e nos dias seguintes, no paddock, conversamos. Ele já não estava muito bem de saúde. Contou-me o que se passava. Veio a falecer em fevereiro de 2015, aos 74 anos, infelizmente.
No mesmo GP do Brasil de 1987 iniciei uma relação profissional de maior proximidade com outro engenheiro, Frank Dernie, da Williams, curiosamente o introdutor da suspensão ativa na escuderia inglesa, no carro de Piquet, em Monza, naquele mesmo ano.
Sempre que eu tinha alguma dúvida sobre como funciona isso ou aquilo Frank me ajudava, por anos, assim como Ducarouge. Adoro os temas técnicos, apesar de pouco escrever sobre eles. Fica mais para o meu deleite. Na prova de Silverstone de 2017 bati longo papo com Frank, hoje apenas curtindo a boa qualidade de vida que a F1 lhe permite ter.
Uma ocasião, em 1996, passei um carão, com ele, na Austrália, por conta de sua raiva mortal de John Barnard, na época o responsável pelo carro da Ferrari. Precisei puxá-lo de onde estávamos para evitar um desgaste ainda maior. Um dia conto essa história.
Bem, era para ser comedido na escrita e olha só a extensão do texto. Cerca de 90% de eventuais interessados não vão nem iniciar a leitura depois de se darem conta do número de linhas. Mas espero que os corajosos 10% saboreiem as idas e vindas da minha primeira cobertura na F1.
Nos próximos dias conto outras experiências vividas nos 500 GPs em que estive até agora. Combinado?
Abraços
